SOKOL

O traje espacial do Soyuz
Marcos Pontes
20/01/2006

Voa alto. É um avião? Não, é um pássaro mesmo! Em russo, “Sokol” é um tipo de falcão. Além disso, esse também é o nome dado ao traje pressurizável utilizado durante as missões espaciais do Soyuz. Assim como o Sokol, outros equipamentos do programa russo também têm nomes de pássaros. Um exemplo clássico é o macacão de atividade extra-veicular “Orlan”, nomeado em homenagem a uma espécie de águia russa.
Hoje, especificamente, vamos colocar o Sokol na gaiola e falar um pouco sobre sua constituição e uso. Inicialmente é importante ressaltar que a principal função desse traje não é aparecer bem nas fotos das tripulações antes do vôo. Seu objetivo primário é proteger o tripulante no caso de uma eventual despressurização da espaçonave. Um momento triste na história dos vôos tripulados russos ocorreu em 1971, durante o retorno da missão Soyuz 11. Naquele tempo, os cosmonautas não usavam trajes conectados a um sistema de emergência pronto para responder a uma perda de pressão de cabine durante a reentrada na atmosfera. Devido à falha de uma válvula, o Soyuz 11 foi completamente despressurizado no início da reentrada. Isto é, todo o oxigênio do interior da espaçonave foi ventilado para o exterior. No pouso, os três tripulantes foram encontrados mortos. Lição aprendida, hoje em dia os sistemas estão aperfeiçoados. Uma falha semelhante iria imediatamente ativar o sistema de pressurização dos trajes Sokol, garantindo nossas vidas até o solo. A contraparte americana do Sokol é o traje “ACES” (Advanced Crew Escape Suit), utilizado durante as fases de subida e descida do Ônibus Espacial. Aquele traje de cor laranja que costumamos ver a tripulação vestindo durante o embarque. Já fiz uma série de treinamentos com ele.

traje russo “SOKOL”
traje americano “ACES” .(Advanced Crew Escape Suit)

Mas, voltemos ao nosso falcão na gaiola. Em termos de constituição, o Sokol é composto de duas camadas básicas: uma interna e uma externa. A parte interna é feita de material elástico, um tipo “borracha”, com a função de manter a pressão do oxigênio eventualmente bombeado para o traje pelo sistema de pressurização da espaçonave. A camada externa é feita de um tecido resistente às chamas chamado “Lavsan” ou “Dacron”. O macacão é praticamente uma peça só. Isso facilita bastante as “trocas de roupa” durante a missão no ambiente da espaçonave, restrito e sem gravidade. As luvas são as únicas partes que têm de ser conectadas. A entrada no traje é feita pela frente, através de uma abertura na barriga. Primeiro colocam-se as pernas. Depois encaixam-se os braços e a cabeça. A abertura na camada de pressurização é fechada, ou selada, por um processo bastante simples. As bordas da abertura são unidas e dobradas em sanfona até tornarem-se apenas um “maço”. Depois, segurando esse “maço” com uma das mãos, enrolam-se dois elásticos ao redor do “maço”, selando firmemente a abertura e garantindo que o oxigênio sob pressão no seu interior não irá vazar. Por último são colocadas as luvas. O capacete é parte integrante do corpo do traje. Não precisa ser conectado separadamente, apenas necessitamos fechar o visor para garantir a pressurização.

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Abaixo do traje usamos sensores biomédicos instalados no peito, um “pijama” de malha e um gorro de couro equipado com fones e microfones.

No veículo, uma vez posicionados nos respectivos assentos, conectamos os nossos trajes aos sistemas da espaçonave. São quatro conexões: um cabo elétrico que transmite os nossos batimentos cardíacos e freqüência de respiração para a telemetria médica, um cabo de comunicações, um tubo para ventilação e um outro tubo para oxigênio.
Durante a primeira parte da missão (ida para a Estação Espacial Internacional - ISS), utilizamos esses trajes na decolagem, aproximação e “docagem” com a ISS. No regresso, os trajes são utilizados desde a separação da estação até o pouso.
Antes da decolagem e durante a preparação para deixar a ISS, testamos a integridade do equipamento através de um teste de vazamento de pressão. Com luvas instaladas e visor fechado, o sokol deve ser capaz de receber e manter a pressão de oxigênio segundo um protocolo estipulado de tempo conforme o procedimento. Isso é necessário para assegurar que o sistema irá funcionar durante uma emergência.
No caso de uma perda de pressurização da cabine, em altitude superior a cinco kilometros, o “Sistema de Suporte à Vida” do veículo pressuriza os trajes com um fluxo contínuo de oxigênio. A pressão no interior de cada traje é automaticamente mantida constante através de um regulador mecânico. Aquela válvula azul que fica no centro do peito. Desse modo, com os trajes pressurizados, hoje em dia podemos sobreviver ao evento de uma falha semelhante àquela que vitimou os tripulantes da Soyuz 11, em 1971.
Certamente existem muitos outros aspectos operacionais sobre o Sokol e seus sistemas auxiliares. Contudo, esse detalhamento não é o nosso objetivo aqui. Por outro lado, em complemento às descrições técnicas acima, existe um ponto que eu gostaria de salientar. É importante deixar claro que na atividade espacial, assim como em outras tantas, de uma forma ou de outra, somos um tipo moderno de “pioneiros”. Falhas, incidentes e acidentes acontecem. Aprendemos através deles e podemos, assim, garantir que futuras gerações tenham sistemas mais seguros. Essa é parte essencial de nossa missão e, por essa razão, assumimos riscos. Algumas vezes vidas são perdidas. Mas pior do que perder vidas é desperdiçar o sacrifício de pessoas que, literalmente, dedicaram tudo pelos ideais e pela busca do conhecimento para o bem dos seus semelhantes. Evitar que isso aconteça é a parte das tarefas da missão que “fica para os que ficam”.

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